Colunista Vladimir Polizio
Vladimir Polizio
Meu nome é Vladimir Polízio Júnior. Tenho 41 anos, e sou defensor público no Estado do Espírito Santo
E-mail: vladimirpolizio@gmail.com
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Crack, Bicho e Ratos no Senado
O ano mal começou e as notícias dos últimos anos se repetem, todas, de uma só vez: magistrados suspeitos pela movimentação de quantias incompatíveis de dinheiro, a polícia paulista finalmente descobriu que havia uma região na capital paulista tomada pelo crack e resolveu agir, pouco tempo depois de a polícia federal localizar bicheiros na Cidade Maravilhosa. E os ratos tomaram conta do Senado Federal.
Nada novo de novo. Mas merecem destaque as atividades dos policiais, porque agiram como atores de um grande espetáculo, chamando para si todos os holofotes, como se estivessem a solucionar um problema recém descoberto. Mentira. Primeiro porque o Jogo do Bicho, criado em 1892, não acabou e nem vai acabar com a atuação policial. E basta pesquisar na internet “jogo do bicho” para perceber o quão forte continua por todo o Brasil. Por isso aquela atuação policial, invadindo casas na busca de contraventores (o jogo é considerado contravenção penal, um “crime anão”), não bastou de um show midiático sem qualquer resultado prático e efetivo. Na verdade, foi só desperdício de dinheiro público, e alguns minutos de fama para os atores principais.
Já os policiais paulistas de tempos em tempos descobrem o que até as pedras sabem, e encontram no centro de São Paulo produtos contrabandeados, coincidentemente sempre nos mesmos lugares, como 25 de março, Galeria Pagé etc. Não bastasse, depois de anos de inércia, agora resolveram, talvez plagiando a atuação carioca, enfrentar o problema de uma região conhecida por abrigar consumidores de crack simplesmente espalhando seus usuários para outras regiões. E tal como aconteceu no Rio de Janeiro, onde as UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) apenas transferiram os locais de tráfico, na capital bandeirante o consumo da droga ficou descentralizado com a ação policial.
Para se resolver verdadeiramente um problema, são necessárias medidas enérgicas e vontade política. Daí que a relevância da matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, na edição de 17 de janeiro, de que o Senado foi dedetizado após a descoberta de que roedores dividiam o mesmo espaço dos nossos 81 senadores. Como o meio mais eficaz para o extermínio dos roedores seria a dedetização, ela foi utilizada. Nas suas devidas proporções, é o que falta para a Administração Pública como regra: menos espetáculos e mais soluções, pois já estamos todos cansados desse circo.
O Papa e o Casamento Gay
Em 1997, os músicos do grupo Planet Hemp foram presos logo depois de um show em Brasília. O motivo da atuação policial foi a suposta apologia ao uso de substâncias entorpecentes com a canção “Queimando Tudo”, em que se dizia ”eu canto assim porque fumo maconha”, “eu continuo fumando tudo até a última ponta”, “olhe pra mim, veja as pupilas dilatadas; é a mente trabalhando, eu não vou te fazer nada; sinta os efeitos da fumaça sonora, e não se esqueça; Planet Hemp, fazendo a sua cabeça”. Ao final, prevaleceu o bom senso, e os músicos cariocas foram absolvidos, porque a justiça entendeu se tratar de manifestação de pensamento, de simples opinião favorável à legalização das drogas, maconha especificamente.
Daí que as declarações do Papa Bento XVI, destaque na edição de 10 de janeiro dos principais jornais, de que o casamento homossexual é uma das várias ameaças atuais à família tradicional, prejudicando "o próprio futuro da humanidade", salientando ainda que as crianças precisam de "ambientes" adequados para a educação, e "o lugar de honra cabe à família, baseada no casamento de um homem com uma mulher", devem ser encaradas como manifestação livre e consciente de pensamento, nada mais. Qualquer interpretação diversa é equivocada, ainda mais porque se trata do representante de uma religião, que tem todo o direito de expressar os dogmas de sua fé aos seus pares.
Isso não é discriminação. Se fosse, não haveria liberdade de expressão, garantia insculpida no art. 5º, IV, da Constituição Federal, porque a mera opinião sobre determinado assunto, por mais relevante e polêmico que fosse, poderia resultar na prática do crime de “discriminar”. Castro Alves, abolicionista muito antes da Lei Aurea, de 1888, pregava nos seus textos a fuga dos escravos, e na época já se entendia se tratar de manifestação de pensamento. Por isso, pode o Papa ser contra o casamento gay ou o sexo antes do casamento, da mesma forma que um judeu pode acreditar que Jesus foi um profeta, ou então um protestante que as imagens de santos são bobagens. O problema apenas surge quando um tenta provar ao outro que seu pensamento é o certo, e aí é que nasce a intolerância. Discriminar é ser intolerante com os que pensam diferente, e menosprezá-los por isso. Opinar, como fez o Papa, é outra coisa.
O Sigilo Bancário e a Constituição
A mais recente crise envolvendo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é sobre uma liminar concedida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, que suspende o poder daquele órgão de quebrar sigilo bancário de magistrados. Assim, ao menos provisoriamente, milhares de juízes investigados por suspeita de conduta ilícita poderão postergar a necessária demonstração de que não se enriqueceram injustamente. Essa decisão, que veio por conta de um mandado de segurança proposto pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação Nacional dos Juízes Federais) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), revela um lado sombrio do corporativismo na mais alta Corte do Judiciário.
Interpretar a Constituição Federal é fácil quando se leva em conta seus princípios. Esse passo foi dado quando se reconheceu, no STF, os mesmos direitos dos hétero aos casais homossexuais, pois o contrário significaria discriminação, vedada pelo art. 3º, III. A quebra do sigilo bancário de juízes suspeitos de conduta ilícita se revela meio adequado para fazer valer o que dispõe o inciso I do mencionado art. 3º, que é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Ou alguém duvida que a construção de uma sociedade justa passe, necessariamente, por juízes honestos? Bem, os julgamentos do STF são políticos, e não necessariamente jurídicos, e aí está o problema.
Em 2011 um ministro do STF recebia R$ 26,7 mil, limite que somente poderia ser ultrapassado em “situações excepcionais”, que não são poucas. No TJ/AC (Tribunal de Justiça do Estado do Acre), até 16 de janeiro, estão abertas inscrições para 20 vagas de juiz, com remuneração de R$ 20,6 mil. Já o salário mínimo para 2012 será R$ 622. Um trabalhador normal tem férias de 30 dias ao ano, enquanto um juiz tem 60 dias, e quando comete algum ilícito não perde apenas o emprego, ao contrário da grande maioria dos magistrados que, como disse o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro João Oreste Dalazen, na edição nº. 2248 da Revista Veja, quando comete um ilícito tem aposentadoria compulsória, e poderia até mesmo perder o cargo e a aposentadoria, mas que desconhece qualquer caso de perda nos seus 31 anos de judicatura. Sem dúvida, temos um longo caminho para a construção de uma sociedade justa e perfeita.
O STF e a Justiça
A Constituição Federal estabelece, como órgão máximo do Poder Judiciário, que 11 brasileiros natos, indicados por supostamente constituírem o que de mais proeminente exista no universo jurídico nacional, e que por isso devem ter a maior remuneração concedida a um servidor público, componham o Supremo Tribunal Federal. Indicados pelo Chefe do Executivo são sabatinados pelo Senado (uma das poucas atribuições, aliás, dessa casa de Leis) e agraciados com um cargo que lhes assegura 2 meses de férias por ano e um cargo que dura até os 70 anos, quando então são compulsoriamente aposentados, dentre tantas outras vantagens.
Na prática, muitos ministros do STF se tornam importantes somente depois de empossados, e alguns ainda tem uma passagem tão apequenada que não deixam nenhum legado. O critério político de escolha de um ministro amesquinha o que deveria ser uma casa composta por juristas do maior quilate. Hoje, a força do STF está mais no alcance e nas repercussões de suas decisões que na capacidade técnica de ética dos magistrados, infelizmente. O debate jurídico diminuiu. Não deveria ser condição imprescindível para a substituição de qualquer dos ministros a cor da pele ou o sexo, tampouco orientação político-partidária. Quando a ministra Ellen se aposentou precocemente (ainda não completara 70 anos), em 08 de agosto último, teve como maior mérito ter sido a 1ª mulher a integrar aquela Corte, empossada que foi em 14/12/2000. Para substituí-la, entendeu a atual Presidente que deveria ser outra mulher.
Por essas e outras que o STF, que n’algumas decisões confere uma leitura de vanguarda na proteção dos direitos fundamentais elencados na nossa Carta Magna (recentemente reconheceu-se o casamento homossexual), noutras se atola na defesa dos próprios amesquinhados interesses corporativistas. Como exemplo temos a decisão de um ministro de postergar o julgamento dos acusados do caso mensalão, que podem se safar pela prescrição (que é uma criação nacional para assegurar a impunidade depois de certo tempo), e outro que diminuiu os poderes investigativos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em benefício próprio. Isso não é justiça. Lamentavelmente, há ministros sem a estatura exigida para o cargo.
Ninguém Acima da Lei
Francisco Djalma da Silva, juiz de direito do TJ/AC (Tribunal de Justiça do Estado do Acre), respondeu a processos criminais por invasão de terras públicas, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Foi absolvido, mas o Ministério Público, inconformado com a decisão do TJ/AC, apresentou recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), pleiteando a modificação do julgado.
A defesa do juiz entendeu que a apresentação de recurso significa espécie de constrangimento ao magistrado e requereu, por meio de Habeas Corpus (HC), seu trancamento, o que é cabível quando há ilegalidade ou abuso de direito. Apresentado o HC (nº. 224.474) primeiramente no STJ, foi negada sua liminar. Irresignado com a possibilidade de seguimento do recurso, e consequentemente modificação da decisão que lhe absolveu, o magistrado interpôs novo HC (nº 111.366) no STF (Supremo tribunal Federal), onde o relator do sorteado, ministro Ricardo Lewandowski, em decisão do último dia 07, também indeferiu a liminar (que é a decisão provisória do juiz sem mesmo ouvir a parte contrária, e só se justifica quando presentes certos requisitos legais), aduzindo que “A concessão de liminar em habeas corpus se dá de forma excepcional, nos casos em que se demonstre, de modo inequívoco, dada a natureza do próprio pedido, a presença dos requisitos autorizadores da medida. Em uma primeira análise, tenho por ausentes tais requisitos. Ademais, entendo que os argumentos dos impetrantes não são suficientes para se determinar, liminarmente, a suspensão do trâmite processual do recurso manejado no Superior Tribunal de Justiça, o que recomenda se aguardar o julgamento definitivo da Turma julgadora”, afirmou.
No mesmo dia 07, a Corte Especial do STJ decidiu afastar o desembargador Francisco de Assis Betti, do TRF/1ª (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Para o relator do caso, ministro Castro Meira, existem indícios suficientes de que o magistrado teria aceitado vantagem indevida em razão da sua função, e que “Também há prova indiciária de que o magistrado solicitou dinheiro e utilidade para influir em decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MG) e para acelerar o processamento de recurso interposto, o que configuraria o delito de exploração de prestígio”.
Sem antecipar qualquer julgamento, o só fato de se permitir a apuração processual das condutas dos magistrados revela um amadurecimento democrático impensado há 20, 30 anos. Eles podem ser absolvidos. Mas podem também ser condenados. Esse é o caminho da verdadeira justiça.
O jornal “Folha de São Paulo”, edição do último dia 06, divulgou que “A corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) iniciou ontem uma devassa no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar supostos pagamentos ilegais a desembargadores e a eventual evolução patrimonial de magistrados incompatível com suas rendas.” A matéria informa que o grupo responsável pela investigação é formado por auditores do TCU (Tribunal de Contas da União), da Receita Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, além da equipe da corregedoria, e que as suspeitas começaram porque o cruzamento de informações desses órgãos demonstraram possíveis irregularidades patrimoniais.
No mesmo dia 06, por 8 votos a 6, o CNJ decidiu abrir um processo administrativo para investigar o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro, Luiz Zveiter, por suspeita de ter agido com parcialidade em relação a um processo no qual foi questionada a titularidade da empresa de uma empresa construtora cliente do escritório de advocacia de sua família. Segundo noticiou o jornal “O Estado de São Paulo”, de 07 de dezembro, a ministra corregedora do CNJ, Eliana Calmon, explicou que "A junção de todas essas evidências não leva a outra conclusão, senão a de que há indícios de que o reclamado agiu com violação do dever de imparcialidade inerente ao cargo de magistrado e imprescindível para que sua conduta seja considerada irrepreensível na vida pública e privada".
Maus magistrados não são privilégio de paulistas ou cariocas, e infelizmente existem em todos os estados. Por isso a importância de um órgão isento como o CNJ, capaz de propiciar um arejamento ao arcaico judiciário brasileiro, e a grande quantidade de juízes precocemente aposentados são prova inconteste de sua eficiência. Mas daí surgem outras questões relevantes, de não somenos importância, como as férias de 60 dias por ano para juízes e a aposentadoria como punição máxima.
Bem, no final de novembro, a ministra Eliana defendeu a redução das férias para 30 dias e foi duramente criticada em nota pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), onde o seu presidente, Nelson Calandra, disse que “Afirmar e comparar o trabalho dos Magistrados com os de outros trabalhadores é desconhecer a natureza especial da função judicante, que é indelegável. Por conta dessa alta carga processual, 60 dias são uma questão de saúde ocupacional, como forma até de evitar aposentadorias por invalidez e perdas precoces de vidas em razão do esgotamento físico”... e que “Ao contrário dos Juízes, os trabalhadores de outras áreas, que também têm seus direitos e reivindicações justas e específicas, não são, frequentemente, ameaçados nem correm risco de morte por tomar decisões que, muitas vezes, enfrentam o crime organizado e grandes interesses que não admitem ser contrariados. A AMB não abrirá mão de seu compromisso com a classe e gostaria de ver o CNJ se preocupando também com a saúde e a segurança dos Magistrados”.
Como se vê, o corporativismo é imenso, e talvez muitos juízes não tenham a mínima ideia do quão estressante é a vida de um trabalhador que ganha salário mínimo, mora na periferia e paga aluguel, que depende do transporte público e tenha o SUS como plano de saúde. Felizmente, esse pensamento começa a mudar.
Karatê no Presídio
O Estado do Espírito Santo tem oferecido aulas de karatê para cerca de 30 presidiários em Vila Velha, o que motivou pedido de esclarecimentos do Ministério Público junto à Secretaria de Segurança Pública, já que os agentes carcerários estavam temerosos com as consequências dessa atividade. Na edição de 2 de dezembro de “A Gazeta”, o vice-presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários, Denys Mascarenhas, denunciou: "Os presos que estão fazendo as aulas são justamente os mais problemáticos e violentos. Em vez de aprenderem uma profissão, eles estão aprendendo a imobilizar e até a matar uma pessoa". Já para a diretora de Ressocialização da Secretaria de Justiça, Quesia da Cunha Oliveira, "Problemas de disciplina sempre ocorrem em momentos de tensão e o que estamos fazendo agora, com as aulas, é diminuir essa tensão"; ela informa que as aulas começaram há menos de um mês e os benefícios são inquestionáveis, porque "Essa prática ocorre no mundo inteiro e foi inspirada na experiência desenvolvida nas prisões do Rio de Janeiro. A ideia não é apenas ocupar o tempo dos presos, mas utilizar a filosofia da arte marcial na ressocialização dos detentos, promovendo inclusão social e a mudança de atitude dessas pessoas".
Com razão a diretora. Não há risco algum para a integridade dos agentes penitenciários, e nem dos próprios presos, que existam aulas de artes marciais. Afinal de contas, salvo raríssimas exceções, nossos presídios apenas acolhem pessoas inocentes, que não representam nenhum risco à sociedade. Na verdade, melhor seria instruí-los até mesmo com aulas de tiro, já que alguns estão familiarizados com o uso de pistola ou fuzil, e são esportes olímpicos.
Contra essa miopia do Estado, salutar a intervenção do Ministério Público. Não é ser contra a prática esportiva, mas pela priorização de atividades que insiram o detento no mercado de trabalho e lhe ensinem uma profissão. Há, ainda, outros esportes menos violentos, como o xadrez e o vôlei, sem dizer no bom e velho futebol. O que não se pode perder de vista é que a grande maioria dos que cumprem pena cometeram algum delito, e é por essa conduta que estão presos.
A Justiça, a Lei e as Drogas
No início de outubro fez 05 anos que o consumo de drogas no Brasil deixou de ser crime. Tecnicamente, por um simples detalhe, ainda consta como autor de crime “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Na prática, entretanto, essa conduta tem como consequência mera “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” ou a obrigatoriedade de comparecer a programa ou curso educativo, de modo que o consumo de drogas é o único crime no Brasil no qual seu autor não pode ir preso de forma alguma. O interessante é que quem disponibiliza a droga é tido como vilão, e merece pena de 05 a 15 anos de reclusão. Isso é justo? Não. Na verdade, a Lei nº 11.343/06, que despenalizou o consumo de drogas, apenas deixou de tratar a questão com hipocrisia. Ou melhor, tratou apenas com “meia hipocrisia”. Explico: nunca se vencerá a guerra contra as drogas, e todos sabemos disso. Enquanto existirem pessoas querendo comprar, surgirão pessoas dispostas a vender. Essa a lógica do mundo para tudo. E a hipocrisia surge quando se demoniza quem vende, mas se adula quem compra.
Não seria o caso, contudo, de se retroceder, e voltar à antiga lei antidrogas, de 1976, que estabelecia pena de prisão para o usuário (embora os juízes já não mais aplicassem essa sanção). O que defendo é acabar de vez com o crime organizado liberando a venda de drogas, todas, para quem quiser. Em contrapartida à liberação das drogas nas lojas especializadas, deveriam ser exigidos exames dos servidores públicos, sejam policiais ou juízes, defensores ou professores, de todos enfim que recebem do erário, para atestar o não consumo de drogas, sob pena de demissão. Assim também na iniciativa privada, em que os patrões poderiam demitir empregados nessa mesma situação. Dessa forma, e propiciando um tratamento efetivo a quem queira deixar o vício, daremos um passo à frente nessa questão que atinge de igual modo devastador tanto os grandes centros urbanos como pequenas cidadezinhas do interior, pois acabaríamos com a maior fonte de renda do poder paralelo e do crime organizado. Se a droga é uma questão social, deve ser enfrentada com inteligência e astúcia. E quem ganha é o Brasil.
Lei Seca resolve?
Periferia de São Paulo. Na noite de domingo, dia 27 de novembro, o motorista de ônibus Edmilson Reis Alves, com 59 anos, que trabalhava mesmo depois de aposentado, teve um “mal súbito” dirigindo, e acabou atropelando um pedestre, que quebrou o pé. A multidão, enfurecida, imaginando se tratar de mais um desses casos em que motoristas bêbados tiram a vida de inocentes com seus veículos impunemente, covardemente assolapou o pobre trabalhador desmaiado da poltrona do ônibus que conduzia e o linchou. Socorrido, chegou morto ao hospital.
São inúmeros os estímulos para a fúria incontida que existem com a quantidade de pessoas que perdem a vida vítimas de maus motoristas, que abusam do álcool e se utilizam dos veículos como armas mortíferas. É fato: álcool e direção não se combinam. Todavia, não podemos esquecer que o sono e a fadiga também causam falta de concentração do motorista e eventualmente ocasionam acidentes. Falando nisso, alguém duvida que a má conservação das estradas, com buracos enormes n’alguns trechos, seria causa menor de desastres? E qual o motorista que nunca se deparou com um ônibus em péssimo estado, ou com um caminhão transportando pessoas, ou mesmo com uma viatura policial, com pneus carecas e luzes queimadas?
A conclusão é que não há apenas, como vilão, o motorista que bebe uma cerveja antes de conduzir seu veículo, e talvez a defesa cega dessa proibição ferrenha, como se fosse a solução para todos os problemas do trânsito, seja por demais pueril, deslocando o foco da discussão de onde realmente interessa, que é a conservação da nossa malha rodoviária (porque à exceção de algumas rodovias privatizadas, a esmagadora maioria está em frangalhos), a efetiva aplicação de multas para os que ultrapassam os limites de velocidade e desrespeitam as regras de trânsito (há projeto no Congresso Nacional para que se retire do Denatran -Departamento Nacional de Trânsito- o controle das multas, o que pode facilitar fraudes), e as punições em si (como regra no sistema brasileiro, condenações de até 4 anos não levam o infrator para a prisão). Afinal, alguém pode muito bem beber algumas cervejas, conduzir seu veículo por algumas quadras e chegar em casa sem colocar em risco a sua ou a segurança de qualquer pessoa. A generalização é sempre muito complicada e perigosa porque transmite a falsa impressão de uma realidade que não existe.
Por isso sou a favor da lei seca. Mas que entre em vigor quando nossas rodovias todas estiverem sem buracos e bem conservadas, quando os motoristas cansados e sonolentos sejam igualmente autuados por dirigirem nessa situação, e quando não mais circularem viaturas e outros veículos com pneus carecas ou com luzes queimadas nas cidades e nas estradas. Entretanto, enquanto houver notícia como a divulgada pelo jornal Folha de São Paulo do dia 28, de que um ministro aposentado, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Ubiratan Aguiar, recebia mensalmente quase R$ 38 mil, decorrente da somatória de diversas aposentadorias, e graças à precisa intervenção do Ministério Público Federal do Ceará passará a viver apenas com R$ 16,7 mil por mês (pois renunciou às aposentadorias por ser ex-vereador, ex-deputado e procurador aposentado para evitar uma ação civil pública), acredito que o problema real esteja longe de ser resolvido, pois enquanto um brasileiro como Edmilson é obrigado a trabalhar mesmo aposentado, alguns poucos com a aposentação achincalham o senso de decência ética. Infelizmente, a lei seca não resolverá todos os nossos problemas.
Há Justiça na Justiça?
Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a ministra Eliana Calmon, mais uma vez, lembrou a existência dos “bandidos de toga”, e reclamou que o maior entrave para investigação dos magistrados seria o corporativismo reinante nos tribunais, sobretudo com relação aos desembargadores . Conhecedora profunda do assunto, pois é corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), salientou que “Os juízes de primeiro grau têm a corregedoria judicial. Mesmo ineficiente, ela tem alguém que está lá para questioná-los. Mas, dos integrantes dos Tribunais, nada passa pelas corregedorias. Os desembargadores não são investigados por elas." E como exemplo da dificuldade de modernização da justiça, citou o judiciário paulista: “Sabe quando eu vou poder inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. O Tribunal de Justiça de São Paulo é fechado, refratário a qualquer ação do CNJ." Mas o ponto maior da entrevista foi a declaração de que a atual Lei Orgânica da Magistratura, a qual dita as regras da carreira, editada em 1979, antes portanto da atual Constituição Federal, de 1988, precisaria ser revista, pois previa apenas punições morais aos magistrados: “Aposentadoria não pode ser punição para ninguém. Foi no passado, quando o fio do bigode era importante, quando se tinha outros padrões de moralidade. A aposentadoria era uma pena. Hoje não é mais. Passou a ser encarada como benesse"
Fico feliz em ouvir essa preocupação de uma magistrada, sobretudo do quilate da ministra. Infelizmente, há juízes que se distanciam do ideário que deveriam nortear o desempenho de tão nobre carreira, talvez na mesma medida de outras tantas atividades profissionais. O problema é que, na magistratura, o julgamento acontece pelos próprios pares, e atualmente a aposentadoria, com direito à remuneração, é tida como “punição”. Bem, considerando-se alguns concursos em andamento, como o do TJ/ES (tribunal de Justiça do Espírito Santo) e do TRF/ 2ª Região (Tribunal Regional Federal da 2ª Região- Rio de Janeiro e Espírito Santo), a remuneração inicial de um juiz é, respectivamente, R$ 19.294,09 e R$ 21.766,16, o que não é baixo, dados os padrões nacionais, onde raras são as atividades que igualmente proporcionam férias de 60 dias ao ano. O juiz deve ser, sempre, exemplo de conduta. Ele não é um funcionário público comum, pois ganha mais que as demais carreiras justamente para que possa julgar com isenção. Um magistrado corrupto é infinitamente mais nocivo para a sociedade que qualquer outro mau servidor público.
Muito ainda precisa ser mudado. Daí a importância de um CNJ forte, que supervisione os mais de 1 mil processos administrativos que tramitam pelas corregedorias dos estados, de casos que vão da emissão de cheques sem fundos a denúncias de trabalho escravo e atropelamento. De qualquer maneira, a justiça evoluiu, sem dúvida, basta lembrar que o reconhecimento da união estável e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo significaram a primazia dos princípios do Estado Democrático de Direito da nossa República sobre qualquer outra norma, ainda que constitucional. A própria declaração da ministra comprova novos tempos. Oportuna, assim, a notícia do jornal “O Estado de São Paulo”, de 23 de novembro, da inédita decisão de lavra da juíza Marcia Helena Bosch, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital paulista, que determinou o afastamento do cargo e o congelamento dos bens do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Eduardo Bittencourt Carvalho, por indícios de irregularidades. A evolução gradativa é a que vem para ficar. Que assim seja, pois todos somos iguais perante a Lei. Até mesmo os juízes.
O Golpe da Cota de Vagas na Universidade
Uma estudante gaúcha, que tinha bolsa de estudos para cursar o ensino médio em escola particular, inscreveu-se no vestibular para engenharia de alimentos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na condição de disputar as vagas reservadas para os estudantes negros provenientes da rede pública de ensino. A questão aqui não é a discriminação dos alunos que tiveram o azar de estudarem na rede oficial de ensino e de terem origem branca, mas sim o fato de que essa estudante valeu-se de uma lei protetiva para disputar uma vaga em situação de vantagem com relação aos seus concorrentes reais à universidade. Ela foi aprovada no vestibular e, tão logo a UFRGS teve conhecimento da fraude, propôs na Justiça sua exclusão.
O juiz que primeiro analisou o caso, constatou a fraude, e excluiu a aluna. Inconformada, ela recorreu para o TRF 4ª (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), de Porto Alegre/RS, e os desembargadores entenderam que não seria justa a exclusão porque, dentre outros argumentos, o estudante diretamente prejudicado com a fraude não poderia assumir a vaga, pois já teria se passado quase metade do curso, e a estudante fraudadora teria cursado colégio particular com bolsa de estudos. A Universidade levou o assunto ao Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.254.118-RS), onde o Ministro Humberto Martins, em voto acompanhado por unanimidade pelos seus colegas da 2ª Turma, em votação publicada em 23/09/2011, salientou que “No caso dos autos, não há dúvidas de que a autora não está no grupo de indivíduos abrigados pelo Programa de Ações Afirmativas instituído pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Contudo, também é claro que a exclusão de aluna, em fase adiantada do curso, não permite o redirecionamento da vaga a outro aluno que deveria ter sido abrigado pelo programa. Assim, de forma nefasta, a realização do direito da recorrente, pelas normas jurídicas invocadas, se excluída a singularidade do caso e a percepção de o ordenamento jurídico como um todo, cria uma situação de injustiça e perplexidade: se excluída a impetrante, não haverá preenchimento da vaga aberta, não haverá restaurada a isonomia, mas tão somente a interrupção do processo de formação da graduanda, a despeito da formação já entregue pela instituição, das horas de estudo e da dedicação daquela.” Com esse raciocínio, entendeu o ministro que a estudante pode concluir o curso na universidade pública, ainda que para tanto tenha se utilizado de meio fraudulento.
A questão, de fato, é peculiar, e merece detida reflexão. Mas não me parece justo inexistir qualquer sansão a quem se utiliza de um sistema protetivo para burlar essa própria proteção. Essa agora universitária gaúcha cometeu uma fraude, e causou um prejuízo inestimável principalmente para um estudante que vinha da rede pública e imaginava disputar vagas com outros nessa mesma situação. Daí minha convicção íntima de que a única forma de se garantir um acesso em iguais condições a todos, sejam brancos ou negros, ricos ou pobres, é com uma escola pública de qualidade não apenas no ensino superior, mas sobretudo nos anos que antecedem a universidade.
Bandidos de Toga
O titulo refere-se a ministra sem papas na língua diz que existem “bandidos” no Judiciário e abre crise
Sempre fui intimamente contra reserva de vagas para negros, deficientes ou qualquer outra minoria que, na opinião do legislador, necessitasse de uma proteção especial em relação ao outro. Não me convence a tese de que alguns, para terem as mesmas oportunidades que os outros, precisam ter um sistema privilegiado de acesso. Sempre rebati os argumentos de que os supostamente excluídos socialmente deveriam ter compensados os anos de discriminação com acesso mais facilitado a melhores vagas nas universidades ou empregos públicos com a constatação de que isso traria duas consequências funestas: 1º) não resolveria o problema principal, que é a melhoria do ensino público, porque se fosse a educação de qualidade, brancos, negros, pobres e ricos teriam acesso idêntico à educação de qualidade, e isso equilibraria toda a diferença anterior; 2º) seria ainda mais prejudicial àquele que, de origem branca, teve o azar de nascer na periferia e ser pobre.
Por isso que a declaração da Juíza Eliana Calmon, baiana de nascimento e brasileira de coração, ministra vitalícia do Superior Tribunal de Justiça e membro honorário do Conselho Nacional de Justiça deve ser amplamente comemorada. É que ela não chegou onde está pela cor de sua pele, ou por ser mulher, ou por qualquer outro motivo que não seja sua competência. E isso deve ser reforçado porque assim é que as coisas deveriam ser, pois não basta ser mulher, pessoa com necessidades especiais ou negro para merecer lugar de destaque entre os demais. Canalhas envelhecem, e nem por isso deixam de ser nocivos à sociedade. Mas não se pode “tapar o sol com a peneira” e imaginar que existe uma classe de brasileiros que estão acima dos demais. Aliás, nossa própria Constituição lembra: “todos somos iguais perante a lei”. Daí a importância na lembrança de que existem bandidos que se escondem atrás da toga, assim os que se escondem atrás da farda, do mandato etc. Em outras palavras, e isso não deveria causar nenhum espanto, disse a ministra que existem maus juízes e bons juízes. Da mesma forma que existem maus advogados e bons advogados, bons médicos e maus médicos, bons engenheiros e maus engenheiros. Porque não é comum, por exemplo, um engenheiro deputado projetar e construir um edifício que desmorone porque há areia em demasia no concreto, ou que médicos admoestem suas pacientes, tampouco que advogados se prestem a cometer ilícitos no aparente exercício de suas atribuições. É que, ainda que existam juízes que vendam sentenças e percam o cargo de presidente de tribunal, por exemplo, essa conduta está longe de se a regra. Em outras palavras, disse à ministra que em todas as carreiras, e nisso não há exceção, existem maus e bons profissionais, e não é justo que o bom profissional, aquele que ama e se dedica ao exercício de sua atividade profissional, suporte o ônus decorrente do mau exercício daquela minoria que, infelizmente, existe em todas as atividades.
Assim, a declaração da Ministra merece todos os elogios. E ela está onde está porque foi uma excelente juíza. E diferente de muitos outros colegas do STJ, chegou àquele Tribunal pela porta da frente: foi procuradora e juíza, sempre por concurso, e depois desembargadora. E desde 1999 é ministra no STJ: e se ela disse que há bandidos de toga, é melhor não duvidar...
Vereadores em excesso
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, nas próximas eleições de outubro de 2012 as câmaras de vereadores terão um aumento de 3.000 membros, ou seja, em quase 90% das cidades brasileiras, mais pessoas farão parte do poder legislativo municipal. Há os que dizem que isso é bom, pois mais vereadores poderiam fazer mais leis para o povo, mas a grande maioria entende que isso representa apenas mais desperdício do dinheiro público.
Embora respeite as opiniões em sentido contrário, não vejo motivos para acreditar que um acréscimo da quantidade de vereadores tenha qualquer relação com a elevação da qualidade da produção legislativa. Explico: é muito simplória a alegação de que mais parlamentares, sejam vereadores ou deputados, importe qualquer relação com o resultado do trabalho desenvolvido, pois a questão é muito mais complexa. Entretanto, sem passar pela discussão da quantidade dos partidos que existem, com a falta de ideologia da maioria, tampouco com as coligações mais estranhas que surgem às vésperas das eleições, é nítido que muito mais proveitoso para a democracia brasileira seria, por força de lei ou pelo próprio compromisso dos partidos políticos com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito do nosso país, que apenas pudessem ser candidatos a cargos públicos quem não tivesse condenação criminal, ou melhor, fosse “Ficha Limpa”. Enquanto isso não acontecer, todo o resto é balela. Mais vereadores significam não apenas mais dinheiro para pagar esses trabalhadores, mas também reformas de câmaras para acolher os novos parlamentares, que também terão direito a mais assessores etc. É um verdadeiro desperdício de valores que poderiam ser gastos, por exemplo, com a reforma de um posto de saúde ou de uma escola, no tratamento de esgotos ou na pavimentação de vias. Na verdade, o que não falta seriam utilidades para quaisquer recursos dos cofres públicos.
Houvesse um referendo, duvido que a população votasse pelo aumento do número de parlamentares nas câmaras municipais. É praticamente uma imoralidade, uma afronta ao bom senso. Só não consigo compreender esse silêncio coletivo, essa indignação contida de milhões de brasileiros que parece até já perderam a força de se revoltar. Para essa letargia geral, todavia, corroboram situações como a da promoção a desembargador do TJ/SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) do juiz Francisco Orlando de Souza, que responde a processo por supostamente dirigir seu veículo embriagado e se envolver numa briga de trânsito em São José dos Campos, conforme noticiou a Folha de São Paulo na edição de 20/10/2011. Ainda assim, não podemos perder as esperanças, e eu não tenho vergonha de dizer: sou contra o aumento de vereadores.
Uma pessoa, que chamo de “F”, propôs na Justiça pedido para que não mais pagasse pensão alimentícia em favor de “M”, pois acabara de completar 18 anos. O juiz que apreciou o pedido julgou-o improcedente. Inconformado, “F”, por sua defensora pública, leva a questão até o TJ/RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), que mantém a decisão monocrática e sacramenta que “a maioridade não se constitui em circunstância bastante para por si só autorizar a extinção da obrigação alimentar”, e que ainda que no caso em tela a filha tenha atingido a maioridade, “continua os estudos, visando prestar concurso vestibular”.
Ainda irresignado, “F” apresenta recurso ao Superior Tribunal de Justiça (Resp nº. 1198105), onde argumenta que “M” não demonstrou que estaria realmente estudando, e que essa comprovação, de que ainda precisava da “pensão alimentícia”, deveria ser apresentada por quem recebia esses valores, e não por quem os pagava. Distribuído no STJ à Ministra Nancy Andrighi, seu relatório foi acolhido pela unanimidade dos seus pares da 3ª Turma, em 01/09/11. Nele, lembrou a ministra que a obrigação de alimentar, antes da maioridade, decorre do Poder Familiar, e nessa situação “o alimentante apenas pode opor a sua capacidade financeira como fator limitante do valor dos alimentos prestados, circunstância que, por óbvio, deverá provar. A cessação da menoridade, contudo, traz consigo o fim do Poder Familiar e, por conseguinte, a vinculada obrigação alimentar dos pais em relação à sua prole, remanescendo, no entanto, pela redação do art. 1.694 do CC/02, a possibilidade dos alimentos continuarem a ser prestados, agora em face do vínculo de parentesco. Essa alteração no substrato jurídico da obrigação alimentar gera questionamentos sobre a possibilidade de exoneração automática da prestação alimentar, sobre a persistência desse dever e, quanto a esse aspecto, sobre a distribuição do ônus da prova.” Ela frisa que, depois de completos 18 anos, é do alimentado (quem recebe os alimentos) a obrigação de comprovar que ainda necessita da pensão e, se isso não for feito, ela é extinta.
O resultado é que “F” conseguiu modificar as decisões do TJ/RJ e do juiz singular apenas no STJ, e não mais paga pensão alimentícia. Se sua defensora não acreditasse no seu direito e levasse o caso a Brasília, o resultado seria outro.
Guarda Partilhada
Não são poucos os casais, quando da separação inevitável, que pensam na guarda dos filhos como forma de punir o outro com a privação da convivência. Daí que a regra, infelizmente, é o detentor da guarda dificultar a familiaridade da criança com o outro, que tem o direito apenas de visitar o filho. O resultado invariavelmente é a diminuição do convívio, do trato diário, com funestas repercussões para a formação da criança.
Por conta disso tem prevalecido no STJ (Superior Tribunal de Justiça) que a questão da guarda deve ser avaliada pelo juiz sob o ponto de vista da criança (ou do adolescente), e não sobre o que desejam seus pais. A mudança é significativa, e importa em fixar a guarda para ambos os pais ainda que discordes. Explico: suponha que o pai concorda que a guarda do filho fique com a mãe, e ela também. Se o juiz entender que o melhor para a criança é que ela fique, por exemplo, 4 dias com a mãe e 3 dias com o pai, ou vice-versa, ele pode, desde que isso se revele mais benéfico à criança. Como bem salientou a Ministra Nancy Andrighi (REsp 1251000/ MG; 3ª Turma; j. 23/08/2011; p. DJe 31/08/2011; v.u.), em processo de sua relatoria, “a guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais”, destacando tratar-se do “ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”. A ministra frisa que “apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso”, aí se justificar “a imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada (...) necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal letra morta.” Nesse voto emblemático, finaliza a ministra que “a guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão”.
Os filhos não são objeto, e devem ser tratados como pessoas em formação, com respeito e amor. Por isso correta a busca pelo magistrado do melhor para o jovem, e para ninguém mais.
O aumento do número de vereadores tem despertado, em todo o Brasil, movimentos de cidadania, de pressão popular, para que os representantes do povo se apercebem que o momento não é de elevação da quantidade de vereadores, mas sim da melhoria de sua qualidade. Isso fez com que muitos municípios, onde esse aumento já havia sido autorizado, recuassem, e mantivessem o mesmo número de vereadores desta legislatura. O que isso tem a ver com o problema recentemente descoberto pelo ex-presidente Lula? Tudo.
Segundo o Jornal Folha de São Paulo, edição de 03/11/2011, no ano passado, aproximadamente 60 mil pacientes não puderam se submeter aos serviços de radioterapia, e 80 mil não conseguiram ser operados para extração de um tumor: "Além de não conseguir atender a todos- na radioterapia o índice de não atendidos é de 34% e em cirurgia, de 53%- os pacientes começam o tratamento muito depois do tempo devido. No caso dos procedimentos de quimioterapia, o tempo de espera médio foi de 76,3 dias e apenas 35% dos pacientes foram atendidos com 30 dias (prazo recomendado pelo Ministério da Saúde).Na radioterapia, o resultado é ainda pior: 113,4 dias de espera e apenas 16% atendidos no primeiro mês.”
Num país em que a Justiça reconhece o casamento gay porque o contrário importaria em discriminação, e nossa Constituição não aceita distinções entre brasileiros, não se justifica o desperdício de dinheiro público com o aumento do número de vereadores enquanto o sistema de saúde continua capenga. Como explicar para um brasileiro com câncer, que está dentre aqueles que não conseguiram atendimento no prazo adequado, que nossa Carta Magna estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, mas a ANS (Agência Nacional de Saúde) baixou resolução estabelecendo prazos para que planos de saúde realizem exames, consultas e cirurgias, enquanto quem depende do SUS deve contar com a própria sorte?
Espero que nosso ex-presidente melhore, e supere também mais essa dificuldade. Mas não podemos tapar os olhos diante da imensa quantidade de brasileiros que, silenciosamente, padecem por falta de tratamento adequado do SUS. O plano de saúde privado deve ser uma alternativa, e não uma necessidade.
Casamento gay autorizado
Antigamente, casamento acontecia entre homem e mulher. Agora, com a decisão recente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), nenhum impedimento existe para que pessoas do mesmo sexo constituam “casamento civil”, o que se justifica porque o STF (Superior Tribunal Federal) já havia decidido meses atrás que homossexuais podem constituir união estável, em que pese a própria Constituição Federal determinar que isso seria permitido apenas para homem e mulher. A alegação, e com toda razão, é de que o impedimento à união estável para pessoas de um mesmo sexo seria forma de discriminação, o que violaria o art. 3º, IV, da Carta Política, que assegura, dentre outros princípios fundamentais, o de que o Estado promova “o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
O entendimento assente no STJ e no STF, portanto, é de que a proibição para que pessoas do mesmo sexo contraiam casamento ou constituam união estável viola princípios fundamentais sobre os quais todas as normas, sejam constitucionais ou não, devem obediência, pois se trata de forma de discriminação entre pessoas, e que isso não tem espaço num Estado Democrático de Direito como o Brasil. De fato, havia no art. 226, § 3º da Constituição a determinação de que a união estável apenas poderia existir entre homem e mulher (essa previsão sobre a união estável também existia no art. 1.723 do Código Civil, que no seu art. 1.514 estabelecia que casamento “se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, sua vontade de estabelecer vínculo conjugal...”). Atualmente, esses dispositivos mencionados são bobagem, pois violariam fundamentos da nossa República.
Isso basta para considerar que não mais existe qualquer impedimento para que mais de duas pessoas constituam união estável ou casamento civil. Explico. Com a prevalência de que qualquer forma de discernir não tem amparo constitucional, pois viola princípios fundamentais, como justificar a vedação para que uma mulher, por exemplo, constitua união estável com dois homens, ou então que três homens firmem entre si um casamento civil? Essas vedações seriam forma de discriminação e, portanto, não teriam amparo jurídico para permanecer, segundo o entendimento do STJ e do STF. Nem mais apresento como exemplo clássico o da pessoa oriunda de regiões do mundo onde o homem pode ter mais de uma esposa, pois essa situação jurídica deveria ser estendida a todos aqui, e se tivesse o homem o direito de ter várias mulheres, o contrário também deveria ser permitido, sob pena de constituir discriminação.
O ministro Celso de Mello, do STF, quando da relatoria do primeiro caso no Brasil em que se reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo (RE 477554 AgR/ MG), frisou que: ”O Supremo Tribunal Federal- apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares.” E mais adiante estatuiu, em decisão que foi acompanhada pela unanimidade dos seus pares: “A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado.”
Destarte, o entendimento Suprema Corte deve ser compreendido com toda sua abrangência, pois é firme em afastar qualquer interpretação que possa causar diferença entre pessoas. E sendo assim, impedir a existência de uniões estáveis ou de casamentos civis entre mais que duas pessoas seriam formas de discriminação e, portanto, inconstitucionais. Em outras palavras, é dizer que, agora, está institucionalizada a poligamia constitucional.
Mortes no Trânsito
Atualmente, causar a morte de alguém conduzindo veículo automotor, desde que não seja intencionalmente, gera pena mínima de 2 anos de detenção. Daí porque muitos juízes, horrorizados com a crescente violência das ruas, reconhecendo que a maioria dos acidentes de trânsito envolvem motoristas embriagados, reconhecem que o só fato de postar-se à direção de um veículo após ingerir álcool acima do limite permitido gera uma presunção de dolo, ou seja, de que, mesmo que não tivesse a intenção de tirar a vida de uma pessoa, assumiu o risco desse resultado. A consequência desse entendimento é de que o causador do acidente vai a julgamento pelo Tribunal do Júri, e a pena mínima para homicídio qualificado é de 12 anos de reclusão.
Entretanto, de muito tem reconhecido o STF (Supremo Tribunal Federal) que não se pode imputar a alguém a intenção de um resultado só porque havia ingerido bebida alcoólica antes de dirigir e matar alguém com o veículo. É preciso mais. Como salientou recentemente o Ministro Luiz Fux (Habeas Corpus nº 107.801- São Paulo), em voto divergente vencedor de julgado na 1ª Turma, “...a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito ou assumindo o risco de praticá-lo” e, citando Guilherme de Souza Nucci, exemplificou que “...quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no momento de ingestão da bebida para o instante do delito.” A consequência desse entendimento é que o motorista causador de acidente de trânsito que resultar morte responderá, em regra, por homicídio culposo.
Daí a importância do aumento da pena para o homicídio culposo decorrente de acidente de trânsito, nos termos do projeto aprovado pelo Senado no último dia 09. Com a elevação, estará superada a discussão sobre se o motorista alcoolizado tinha ou não a intenção de produzir o resultado quando ligou o motor do seu carro e iniciou a marcha. E quem ganha é a sociedade.